Atualizado em 23/08/2020, com um vídeo.
Esse post está na minha pauta há séculos. Postergava-o continuamente esperando que um dia eu conseguisse dar à ele uma conclusão melhor e mais útil, mas acho que não vai rolar. Ao mesmo tempo, esperava aprender mais sobre as causas das falhas, mas vendo continuamente os mesmos erros acontecerem em diversas startups, acho que já tenho conteúdo suficiente.
Falo sobre startups que não deram certo com propriedade, afinal eu já tive uma e já trabalhei em outra. Ambas falharam, conforme conto no vídeo abaixo.
Já participei da construção de outras bem sucedidas também. Já ajudei e orientei amigos e conhecidos em outras. E já vi muitas delas falharem. Quase todas aliás, o que não é nada surpreendente tendo em vista as altas taxas de mortandade desse tipo de empresa. Apesar da vasta literatura sobre o que fazer e o que não fazer, os empreendedores tendem a, no calor do momento, cometer os mesmos erros ao tentarem replicar receitas de exceções como Steve Jobs, Peter Thiel e Elon Musk. Empreendedores, entendam de uma vez: essas pessoas são tão famosas justamente por serem a exceção dentro do mundo das startups, não a regra.
Dito isso, porque startups não dão certo? Não vão pra frente, não decolam, não escalam, muitas vezes acabam se tornando lifestyle startups, que já comentei em outro post, ou na maioria dos casos, morrendo.
Se preferir, você pode assistir ao conteúdo no vídeo abaixo, ao invés de ler, embora as referências às startups que quebraram com cada motivo você só encontra no texto.
Motivo 1: falta de dinheiro
Esse é o motivo mais óbvio, por isso que coloquei em primeiro, no entanto, ao contrário do que muitos acreditam, não é o maior dos problemas. Hoje em dia existem muitas formas de obter investimento para suprir essa deficiência e se você não conseguiu o bastante para alavancar sua ideia, é porque talvez você não tenha algo tão incrível assim ou não saiba como fazer dar certo. É natural que não acredite no que estou dizendo, a negação do problema é comum mesmo nas doenças mais severas.
O que acontece aqui, é que a molecada empreendedora atual, que passa o dia lendo ProductHunt e acompanhando o TechCrunch, acha que o mercado brasileiro de investimento é tão maluco quanto o americano, que bota milhões em qualquer app de fotografia que aparece. Apesar disso, muitos empreendedores gringos, como o pessoal da Skully, que levantou mais de USD10 milhões e queimou todo o dinheiro em besteiras, inclusive em um escândalo envolvendo gastos com strippers (saiba mais). Obviamente faliram.
Ter uma startup no Brasil sem focar em resultado é loucura, o que nos leva ao segundo motivo.
Motivo 2: falta de um business model
Todo mundo acha legal as histórias das empresas como Instagram e Whatsapp, empresas que não geram 1 centavo de lucratividade mas que são usadas por centenas de milhões de pessoas. Mas não é algo saudável ou mesmo facilmente replicável. A quantidade de investimento que tem de ser levantado para pagar contas de datacenter e folha de pagamento é absurda. Apenas em um mercado onde a taxa de juros é baixíssima e existe abundância de investidores querendo investir em risco é que se consegue levantar tanta grana quanto essas startups do Vale do Silício fazem.
Aqui no Brasil, ou você tem um business model desde o Dia 1, com ao menos um protótipo rodando, ou provavelmente não chamará a atenção de investidores brasileiros. Esse modelo americano de “vou arranjar milhões de usuários e depois dou um jeito de ganhar dinheiro”, não cola por aqui.
Sinto muito desapontá-lo.
E se você acha que não tenho currículo para falar disso, saiba que conheci os bastidores da maior aceleradora de startups do RS durante os anos que minha startup foi acelerada pela Wow e depois mais um ano atuando como membro do conselho de aceleração deles. Eu falo disso nesse vídeo aqui.
Nos EUA esse problema também quebra startups, embora a mídia não fique mostrando isso como deveria, o que foi o caso do GoZoomo em 2016, que apesar de ter levantado USD5 milhões não conseguiu encontrar um modelo de negócio sustentável e foi à bancarrota (saiba mais).
Motivo 3: falta do time certo
Se você perguntar ou assistir qualquer entrevista de investidores sérios no Brasil, você vai ver que eles são enfáticos em dois pontos: time e business model, nessa ordem exatamente. O business model mostra a viabilidade do negócio, o time é que o torna viável de fato. Algumas vezes, mesmo que o business model seja fraco, se o time é capaz, ele consegue pivotar, dar a volta por cima e mesmo assim fazer o negócio crescer, como mostra a história do Terra, por exemplo. Agora se o time não é o certo…
Mas o que seria um time certo? Um time completo, com todos os membros necessários para fazer com que aquele business model se torne realidade. Um time que possua um ou mais membros em sincronia com o mercado onde pretendem atuar com a startup. Um time que tenha um ou mais membros de negócios, complementando os membros de tecnologia, que geralmente são maioria. Um time que tenha foco em resultados, em converter clientes, em vendas e marketing, e que não fique apenas olhando pro seu umbigo, achando que o mercado não os entende.
Sem esse time, nem a melhor das ideias pára em pé, o que dizer das “meia-boca” que aparecem na minha frente todos os dias. E se você acha que um time ruim com muito dinheiro consegue construir um produto bom, está muito enganado. A prova é a startup Karhoo, que levantou USD40 milhões mas não conseguiu construir um produto decente e queimou todo o dinheiro dos investidores em 2016 (saiba mais).
Motivo 4: não começar e não persistir
Seria engraçado se não fosse triste, mas a maioria das pessoas que vem conversar comigo sobre ideias incríveis de startups ou não começam, ou começam e logo param no primeiro obstáculo, qualquer que seja ele. As desculpas são as mais variadas: não tenho tempo. Não tenho dinheiro. Não tenho equipe. Não sei como fazer. Já fizeram antes de mim. Vão roubar minha ideia se eu contar pra alguém. E por aí vai. Tudo besteira.
Tem uma frase que sempre carreguei comigo que diz: “Quem quer faz. Quem não quer arranja uma desculpa.” e é a mais pura verdade. Sempre haverão “bons motivos” para ficar na inércia e não tornar sua ideia em realidade. Pior pra você, e melhor pra concorrência. Simples assim.
Esse parece ser o caso da JobHive, por exemplo, startup americana de recrutamento que fechou as portas de maneira inexplicável em 2016, após levantarem USD3 milhões em investimentos (saiba mais).
Motivo 5: não tomar decisões
Pense em uma coisa que te irrita. Pra mim, é alguém que não toma decisões. Que fica “empurrando com a barriga” a tarefa de decidir algo. Que espera que, de algum lugar mágico, vá aparecer alguém que vá lhe dizer o que fazer. Que fica buscando justificativas para não se arriscar em decidir algo que possa estar certo ou errado. Essas pessoas, que não são poucas, não entendem que nada é tão irreversível na vida quanto pensam. Que estar errado não é algo imperdoável. Meu foco é falar de empreendedorismo e desenvolvimento de software nesse blog, e essas duas coisas precisam de deliberação em algum momento, mas deliberação objetiva e sem delongas. Como diria o pessoal do Basecamp: “Você está construindo software, não fazendo uma cirurgia de cérebro. Tome uma decisão e siga em frente.”.
Startups que não assumem uma posição firme, que não decidem quem é o seu público, qual o seu objetivo, o que estão vendendo, onde querem chegar, acabam. É só uma questão de tempo. Na verdade, é uma questão de quanto dinheiro possuem em caixa vs paciência do time em continuar tentando. Você vai errar, entenda isso, quer você delibere por 3 meses ou por 1 dia. Mas o que prefere, descobrir que estava errado em 24h ou em 90 dias? Startups são inovadoras e inovação requer lidar com o inesperado, com o desconhecido, todos os dias.
A startup Quirky tinha tudo para dar certo. Levantaram USD180 milhões de dólares (sim, eu não escrevi errado), seus produtos tinham boas ideias mas a qualidade deixava a desejar, tinham de tomar decisões urgentes sobre seu foco, sua qualidade e muito mais. Foi só uma questão de tempo para queimarem todo o dinheiro e falirem em 2015 (saiba mais).
Motivo 6: não fazer o que precisa ser feito
Uma startup é o protótipo de uma empresa em cima de um negócio inovador. Um produto, serviço, tecnologia…algo que nunca foi feito desta forma antes, ou pelo menos que não sobreviveu para contar. No final do mês, ainda é uma empresa e precisa pagar contas, certo? Então você precisa fazer o que precisa ser feito. Como empresa, você precisa de clientes. Para ter clientes, você precisa vender. Para vender, as pessoas precisam conhecer sua empresa e o que ela faz. Para que as pessoas conheçam sua empresa, você precisa de marketing.
Então, por favor, pára de ficar escovando bits no seu código e decidindo se a paginação deve ter 10 ou 30 elementos por página e vai fazer o marketing e vendas da sua empresa. Conhecendo dezenas de empresas que tem o software mais sensacional do mundo, mas que não é um produto, afinal, ninguém sabe que está à venda. Qualquer que seja o melhor canal de marketing e vendas do seu produto, você tem de estar nele, tem de ter no mínimo uma pessoa da sua equipe 100% dedicada em fazer um produto que as pessoas queiram comprar, e não estou falando de software, estou falando de comunicação, de publicidade, de eventos, de parcerias, etc.
Um exemplo de fracasso por não fazerem o que precisava ser feito foi a quebra do Grooveshark em 2015, após levantarem USD5 milhões mas não se esforçaram em resolver a questão de direitos autorais, algo importantíssimo em uma startup que lide com conteúdo autoral. Não fizeram o dever de casa e quebraram (saiba mais).
Motivo 7: não querer ter uma empresa, mas sim uma startup
Uma startup é algo temporário. É um meio, não um fim. Startups nascem para se tornar empresas. E isso não é ruim, você pode criar empresas com pegadas mais legais como as vistas no Vale do Silício. Você não é obrigado a andar de terno só porque é CEO de uma empresa. Mas, se não é isso o que você quer, se não quer ser um empresário, vá fazer outra coisa, de repente um lifestyle business já resolva o seu problema.
O ponto aqui é: entenda e defina quais são as suas expectativas em relação ao que está construindo. Descubra se você realmente quer ter uma empresa, funcionários, acionistas, etc, pois tudo isso faz parte do futuro de uma startup de sucesso. Converse sobre isso com os demais sócios o quanto antes. A maior parte das disputas entre sócios que várias vezes provocam quebras de empresas se dá pelas diferentes visões de futuro que não foram compartilhadas e acordadas desde o início.
A famosa startup Secret, que chegou a ser notícia aqui no Brasil, no programa Fantástico, quebrou em 2015 por causa dessa discrepância de visão vs realidade, o que fez com que seu fundador perdesse o foco e decidisse não continuar mais, mesmo após ter levantado mais de USD35 milhões em capital (saiba mais).
E aí, concorda? Discorda? Faltou alguma coisa?
Olá, tudo bem?
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