Conheci esse livro por acaso. Na verdade já tinha ouvido falar dele, mas nunca tinha dado muita atenção.
Meu antigo chefe, Flávio Cardoso, sempre comentava que seu sonho era criar uma empresa que fosse lembrada a ponto de ir parar em um livro como esse. Criar um legado.
Quando conheci esse livro de verdade estava fazendo uma capacitação no Centro de Inovação da Microsoft, em Porto Alegre, chamado Catalyst. Um dos colegas da turma que estava sendo capacitada para conduzir melhor suas startups comentou sobre o livro e como gostaria de ter presenciado os acontecimentos daquela época. “Àquela época” ao qual ele se referia era a bolha da Internet, que talvez você já tenha ouvido falar.
Você pode acompanhar esta resenha pelo vídeo abaixo, se preferir.
As histórias de sucesso e de fracasso que marcaram a web brasileira
Esse é o subtítulo do livro e com ele você já tem uma ideia do que o espera em suas páginas. Escrito pelo jornalista Eduardo Vieira no início dos anos 2000, é um livro que retrata a história da internet comercial como a conhecemos, principalmente em terras brasileiras. O livro começa retratando o surgimento da mesma nos EUA e sua posterior chegada nas universidades brasileiras e mais tarde em nossas empresas e lares.
O brasileiro é um povo empreendedor por natureza e a chegada da Internet fez com que muitos negócios surgissem e um dos primeiros capítulos retrata o surgimento dessas startups da década de 90. A Microsoft brasileira de Marcelo Lacerda, chamada Nutec que mais tarde entraria na Internet como NutecNet, um dos primeiros provedores de acesso brasileiros. Conta a história de Mandic, que pra mim era apenas o nome de uma empresa, mais tarde descobrindo sobre o pioneirismo de Aleksandar Mandic, outro aventureiro da Internet brasileira. Outro famosos empreendedor citado no livro é Jack London, que apesar do nome é o brasileiro por trás do primeiro e-commerce nacional, a BookNet (algo como um Amazon tupiniquim) que mais tarde seria vendida se tornando o Submarino.
As Grandes Marcas e o Big Bang
Mais tarde, com o crescimento de iniciativas bem sucedidas como a NutecNet, a Mandic e a Booknet, grandes marcas foram se formando na Internet brasileira, como o ZAZ (através da compra da NutecNet pelo Grupo RBS, que mais tarde seria vendido novamente para a Telefônica fundar o Terra), ZipMail, Cadê? (vendido para a StarMedia e depois para o Yahoo!) e UOL, que juntos aos pioneiros London, Mandic e Lacerda se tornaram os maiores players nacionais.
Com a explosão da Internet nos EUA que ocorreu em 1994, estampada em diversas revistas famosas como a Time, o céu era o limite para os negócios de Internet, principalmente de um dos que viriam a se tornar um player mundial: a AOL e seus copy-cats brasileiros UOL e BOL, sendo este último da editora Abril, que mais tarde viriam a ser fundidos. Houve uma tentativa de fusão com a AOL, que era o maior player mundial, mas que não deu certo.
A invasão estrangeira
Conforme a Internet evoluia o seu número de usuários aumentava exponencialmente, mesmo por aqui com a infraestrutura precária e o custo altíssimo de se ter um computador, ainda mais conectado à uma linha telefônica. Com isso, os grandes grupos de Internet que se formaram no exterior agora extendiam suas presenças para países da América Latina e principalmente para o Brasil, maior mercado da região. Uma dessas primeiras empresas foi a StarMedia do uruguaio Fernando Espuelas que no auge da bolha em 1999 levantou mais de uma centena de milhões de dólares em investimento para sua expansão para Brasil e México, chegando a comprar o buscador nacional Cadê? antes de fracassar em sua empreitada, mais tarde vendendo o Cadê? para o Yahoo!.
Outro fracasso memorável de empresas de Internet estrangeiras em terras brasileiras foi a AOL que investiu pesado por aqui sem conseguir acabar com a hegemonia que existia das empresas nacionais. Entretanto, a bolha tinha crescido a tal ponto em 2000 e as startups levantavam tanto dinheiro de investimento que a AOL chegou a comprar a Time-Warner, um dos maiores grupos de mídia do mundo por U$180 bilhões, em uma das maiores fusões da história. Entretanto, em 2 anos o estouro da bolha mostraria que nada era tão fácil assim e passamos pela famosa recessão de investimentos em startups dos anos 2000.
O Almoço Grátis
O estouro da bolha nos EUA aconteceu um pouco antes do que no Brasil, mostrando até que nas crises eles são mais adiantados que a gente. Por aqui, surgiam os provedores gratuitos, como o IG (antes sigla de Internet Grátis, hoje Internet Group) que vieram para esculhambar com o mercado de provedores como o UOL e Terra. Focados na venda de publicidade para anunciantes, que aliás era o modelo que imperava na Internet dos anos 2000, permitiam às pessoas se conectar na Internet por meio de seus famosos discadores sem pagar nada por isso, atraindo a fúria dos fundadores de provedores de acesso, que era um negócio muito comum nesta época.
O livro acaba narrando também a trajetória da GP Investimentos de Beto Sucupira como um dos primeiros fundos brasileiros a acreditar no mercado de startups e investir pesado. Entretanto, como investidores bem treinados fazem, souberam fazer boas apostas e saída ainda melhores, antes da bolha estourar e ferrar com muito investidor. Também narra a criação do iBest, primeiro prêmio brasileiro de Internet e mais tarde provedor de acesso também.
A Explosão e O Rescaldo
Muito dinheiro, muita especulação e um otimismo sem precedentes marcaram época no início dos anos 2000 logo antes da bolha estourar. Com capital nacional e estrangeiro relativamente fácil de ser obtido não era raro festas e eventos para promover o encontro de startupeiros e onde ideias sem implementação alguma podiam ser vendidas por R$10 mil. Este capítulo conta também sobre outros empreendimentos, como Miner, meta-buscador brasileiro comprado pelo UOL, também conta a história da NetTrade, primeira corretora de valores online no Brasil. Mostra como grupo Pão de Açúcar foi o primeiro (e mais bem sucedido até hoje entre as redes de supermercados) varejista a entrar no mundo online. O site de leilões Freelance que depois mudou para Lokau e muitos outros como o surgimento da Globo.com.
Mas mais do que essas iniciativas, retrata o surgimento (em um flashback, que torna o livro um tanto confuso em certos momentos pela falta de linearidade) do NetScape e como ele revolucionou o uso da Internet e ajudou a torná-la comercial de fato, até a ascensão do IE que canibalizou o mercado de navegadores ao chegar instalado no Windows tornando-o pronto para a Internet, sem softwares adicionais.
Mas voltando à bolha, o ano de 2000 foi terrível para a Nasdaq que vinha em sua maior crescente nos últimos 28 anos com centenas de aberturas de capital ao ano em parte graças à popularização da Internet e a supervalorização das startups que haviam surgido e cujo IPO era meta natural. Embora sites americanos como o Yahoo! e brasileiros como Americanas.com e Submarino registrasse lucro, isso era a exceção e não a regra no início dos anos 2000. As startups mantinham-se graças à investimentos pesados de fundos e registravam prejuízos milhonários sem qualquer previsão de break-even e mesmo assim com avaliações altíssimas. A intangibilidade e o ineditismo dos negócios online cegou muita gente que não percebeu a fragilidade dos mesmos. Houve uma inversão de valores onde o mais importante era crescer, e não se manter, criando a célebre frase de Dilbert: “profits are for loosers”, ou “lucro é para os perdedores”.
Com a recessão, os empreendedores não tiveram mais margem para errar e o mercado de investimento de risco contraiu-se, não somente no Brasil como no mundo inteiro.
O Futuro
O livro encerra com algumas projeções e pensamentos sobre a Internet e os eu futuro no país e no mundo. Para um livro lançado em 2003, ele até acertou bastante. Hoje vivemos uma nova economia de startups e os investimentos voltaram a aparecer, mesmo que timidamente, tem alguns anos. Algumas startups como EasyTaxi, Dafiti, NetShoes, Twitter entre outras parecem operar no modo crescer sem lucrar, indicando a possível tendência de acontecer outra bolha em breve. Incentivos dos governos também surgem por todos os cantos como o Startup Chile, o Startup Brasil, Startup Peru, o SEED em Minas (também brasileiro) entre muitos outros. Nunca incentivou-se tanto o empreendedorismo no Brasil e na América Latina e o otimismo voltou a brilhar entre os empreendedores.
Se a bolha foi ruim? Eu acho que não. Claro, eu não perdi nenhum centavo, nem mesmo tinha um computador na época que a Internet pintou por aqui, mas entendo hoje que graças à ela houve um profissionalismo muito maior das startups. Salvo exceções, hoje práticas e técnicas comuns de startups bem sucedidas são aprendidas e praticadas por muitos fundadores em seus negócios como Lean Startup e Business Model Generation. Obviamente isto por si só não garante o sucesso da empreitada, mas ao menos coloca os seus pés no chão e evita erros mais crassos como os da bolha de 2000.
Resumindo: leitura obrigatória para todo profissional e empreendedor de Internet. Mas está difícil de achar na Amazon. 🙁
Olá, tudo bem?
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