Zona de Conforto: Neymar, Evaristo Costa e eu

Carreira

Zona de Conforto: Neymar, Evaristo Costa e eu

Luiz Duarte
Escrito por Luiz Duarte em 04/09/2017
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Neymar

O que o Neymar, o Evaristo Costa e eu temos em comum? Decidimos sair da zona de conforto recentemente.

Calma, já explico.

O Neymar, que era titular absoluto do Barcelona, campeão da Champions League e a atenção de toda mídia esportiva possível, decidiu largar o Barça e ir para o PSG, um time “inferior”, sem títulos expressivos a nível internacional, para construir história e claro, ganhar mais também, embora eu acredite que dinheiro não tenha sido o principal fator pra ele, considerando o quanto já ganhava no time catalão.

Neymar queria sair da sombra de Messi e buscar o título de melhor jogador do mundo, algo que estava bem complicado junto ao Barcelona.

Evaristo Costa, que embora não seja tão famoso mundialmente quanto Neymar, é muito famoso por quem assiste o Jornal Hoje, um noticiário diário próximo da hora do almoço que ele apresentava com Sandra Annenberg há 14 anos. Pois é, o Evaristo também estava em uma posição super confortável, assim como o Neymar, ganhando muito bem como âncora do telejornal e decidiu sair da maior emissora do país para tocar outro projeto ligado a entretenimento em uma emissora concorrente (é o que estão dizendo por aí).

Sim, ele também vai ganhar mais lá, mas acredito que o principal fator foi a sua vontade de fazer algo novo e diferente, de ser desafiado ou pôr em prática seus sonhos e aspirações que o jornal não permitia.

Se o assunto for fama, eu nem deveria estar nessa lista, mas confesso que me identifiquei com as atitudes recentes do Neymar e do Evaristo pois eu mesmo estava chateado com a zona de conforto na qual estava há alguns meses.

Evaristo Costa

Meu último desafio

Em 2015 eu estava encerrando as atividades com minha startup Busca Acelerada e apenas lecionava à noite quando topei aceitar o desafio de ser o Gerente de Projeto de uma startup chamada Route. O desafio era imenso pois a startup já rodava no vermelho, sem um único cliente, há 3 anos e um beta que parecia eterno pois o escopo do projeto nunca era definido.

Não precisei pensar muito para aceitar a oferta que era boa não apenas financeiramente, mas para o meu currículo. Ao que tudo indicava, minha experiência anterior como CEO de uma startup fracassada poderia evitar que esta fracassasse também.

Durante um ano e meio gerenciei o projeto, ajudei a fechar o escopo do produto, ajudei a fechar com algumas dezenas de clientes e até mesmo meti a mão no código para entender melhor como o produto funcionava, tendo sido responsável pelas integrações com diversas ferramentas do mercado que nos ajudaram a converter mais clientes.

A situação era preocupante pois queimávamos R$40 mil por mês e o faturamento era ridiculamente baixo. Tracei algumas estratégias que envolviam pivotar nosso produto para nichos mais específicos mas não consegui convencer o CEO, que também era nosso investidor, de que o projeto ainda tinha futuro e ele foi encerrado um ano e meio depois de eu entrar na equipe. Quatro anos e meio depois da startup ter sido fundada.

Foi a segunda vez que vi uma startup afundar comigo dentro, mas não fiquei nem um pouco triste pois o desafio foi muito interessante, aprendi muito no processo, fiz novos amigos, agregou no meu currículo e o salário não era ruim. 🙂

O problema veio após o Route ser encerrado.

Route

Entrando na zona de conforto

O CEO do Route também é o CEO da Umbler, startup de cloud hosting que está crescendo rapidamente no mercado nacional e está em vias de expansão para outros países ainda este ano.

O Route foi encerrado não apenas por ser um projeto que estava dando prejuízo, mas porque o CEO teve de escolher um projeto para se focar, e ele fez a escolha mais óbvia (e correta): a Umbler. Com isso, o projeto do Route foi encerrado e toda equipe foi absorvida no time da Umbler.

Foi nos dada uma pergunta bem simples para ser respondida: o que vocês querem fazer na Umbler?

As respostas não podiam ser mais óbvias: quem era do marketing, quis ir para o time de marketing. Quem era designer, foi pro time de front-end. E assim por diante, escolhas “seguras”.

No entanto, a Umbler já tinha um Gerente de Projeto, posição que eu ocupava no Route e eu tinha uma sinuca de bico pela frente: ou eu voltava a ser desenvolvedor (ou seja, uns dois passos para trás na minha carreira) ou “inventava” alguma coisa para eu fazer lá dentro.

Claro, eu também podia recusar entrar pra Umbler e voltar pro mercado, mas como estava lecionando em Gravataí à noite, era muito cômodo que o emprego diurno também fosse em Gravataí.

Eu devia ter associado que optar pelo que fosse mais confortável me deixaria em uma zona de conforto rapidamente, mas na ocasião não me ocorreu isso.

Umbler

Atuando em uma posição de conforto

Acabei optando por sugerir uma posição de evangelismo técnico dentro da Umbler pois era uma posição disponível e que eu me encaixava muito bem. Como eu já faço esse tipo de trabalho como autor de livros, escritor aqui no blog, palestrante há 7 anos e estou começando com videoaulas, achei que seria o melhor a fazer. Na verdade era uma das poucas opções que eu via para mim à época sem ter de competir com a galera que já estava estabelecida na Umbler e que são meus amigos. Detesto competir com amigos. 🙁

Pra quem não sabe, cabe ao evangelista técnico levar ao mercado as inovações tecnológicas e tecnologias utilizadas e criadas pela empresa que ele representa. Como evangelista técnico de uma empresa de cloud hosting, cabia à mim educar nosso mercado sobre desenvolvimento web, ajudando a tornar a Umbler referência no assunto.

E foi muito legal, durante meio ano.

Não me entenda mal, amo ir a eventos, conversar com outros desenvolvedores, palestrar, ministrar workshops, escrever artigos e fazer videoaulas. Sério.

Mas não curti nem um pouco fazer “só” isso. Além disso, estar distante de projetos de software de verdade durante 6 meses me deixou muito preocupado. Para não enferrujar, eu “entrei” pra dentro de artigos técnicos, criei muitos projetos aleatórios e estudei muita coisa que não tinha lá muita coesão, mas que me pareceu importante saber caso eu precisasse voltar a programar “de verdade”.

Sempre critiquei os evangelistas técnicos que só enchiam linguiça, que não sabiam programar de verdade e que não conseguiam responder pergunta alguma mais avançada que o conteúdo da sua palestra. Certamente você já deve ter ido em alguma palestra assim, e é horrível. Um bom palestrante técnico é um profissional técnico, não um marketeiro. Sempre me considerei um bom professor e palestrante justamente por ter larga experiência de mercado como desenvolvedor, analista e até mesmo gerente de projetos (embora tenha bem menos experiência nessa função), resumindo: eu falo a mesma língua da minha audiência e sei as “dores” deles.

Eu estava com muito medo de me tornar um “programador de palco”. E se eu ficasse um ano ou dois como evangelista, será que conseguiria voltar a ser gerente ou analista caso necessário? Ou até mesmo um programador?

Fui aí que me deparei com uma dúvida ainda pior: eu estou crescendo como profissional? E a minha resposta foi rapidamente um não.

Zona de conforto = zero crescimento

Ler muitos artigos técnicos, fazer diversos projetos de exemplos e falar com muitas pessoas sobre o que você estuda e escreve não o faz um bom profissional. Isso é a “cereja do bolo”. Um bom profissional na área de TI, na minha opinião, é o que aplica corretamente o que estuda, caso contrário, é apenas um teórico.

Além disso, estar estagnado na área de TI é algo excepcionalmente pior do que muitas outras áreas, pois você não fica “estacionado”, mas é considerado “atrasado” rapidamente, ou seja, é muito mais nocivo do que parece à primeira vista.

Outra coisa que logo reparei e que me deixou muito apreensivo é que minha função primordial era ensinar. Mas o que eu estava aprendendo no processo? Com quem eu estava aprendendo alguma coisa?

Eu tenho 29 anos anos e 11 de TI, mas não sou nenhum “deus da programação” como alguns brincam por aí, tenho muito a aprender ainda, muito o que crescer. Estou muito longe de atingir todo o meu potencial e cada dia que passa que não aprendo algo novo é um dia perdido para mim. E caso você não saiba, aprender é muito diferente de estudar. E eu estava apenas estudando para criar os materiais necessários da minha função.

Note que, em nenhum momento, estou culpando a Umbler ou o CEO dela por isso. Foi uma decisão minha me tornar evangelista técnico em tempo integral. Fui eu que me meti nessa.

Fui aí que me surgiu a pior dúvida nos últimos anos: será que ainda sou “empregável”?

Alerta vermelho: zona de conforto!

Há 11 anos que trabalho com TI e em todo esse período fiquei desempregado durante apenas 3 dias. Sempre tive uma alta taxa de empregabilidade, sempre recebi ofertas mesmo sem estar procurando e isso em grande parte pois sempre me esforcei em ser um profissional diferenciado.

Quando pintou a desconfiança de que eu poderia estar perdendo essa característica que tanto me orgulho (sem falsa modéstia, por favor), eu surtei.

A posição de evangelista técnico não é lá muito comum e se eu continuasse me focando nela nos próximos anos ficaria extremamente dependente da empresa atual e das demais empresas que possuem essa posição disponível (que não são muitas aliás). Além disso, cada vez mais me distanciaria de tocar projetos de desenvolvimento que inclui as habilidades que demorei uma década para refinar: análise, desenvolvimento, gerenciamento, etc.

Ou seja, eu estava em uma posição confortável no presente, mas como toda zona de conforto, com um futuro incerto.

Eu não sou do tipo que fica procurando vagas de emprego, nunca fui (exceto quando estava tentando entrar no mercado de trabalho). Na verdade eu costumo olhar as vagas em busca de oportunidades para meus alunos. Se você me segue nas redes sociais já deve ter visto eu postando vagas, especialmente para iniciantes.

Em uma dessas buscas para ajudar o próximo me deparei com uma vaga que me chamou a atenção: coordenador técnico mobile, em uma banco de Porto Alegre, o Agiplan.

Agiplan

Descobrindo uma nova oportunidade

Nunca pensei em trabalhar em um banco antes, sempre me pareceu algo burocrático, chato, engessado e pouco inovador. No entanto a vaga era bem enfática em afirmar que o banco Agiplan estava justamente buscando mudar essa visão que todos desenvolvedores possuem dos bancos. Que estavam investindo pesado para mudar essas cultura, desde o ambiente até as posições. Claro que eu não acreditei nisso de primeira.

Fui investigar o site da Agiplan. Procurei funcionários no LinkedIn. Encontrei amigos em comum. Fiz todo o dever de casa que alguém que não quer entrar em uma roubada deve fazer.

Conversando com pessoas próximas que possuem vínculo com a Agiplan descobri que a financeira com 18 anos de existência havia se tornado banco há pouco mais de um ano, o que era bom, pois ainda não possuíam os vícios dos demais bancos. Descobri que o banco é de apenas um dono, o que é excelente, pois agiliza e muito a tomada de decisão. Descobri que eles estavam “roubando” talentos de diversas outras empresas ligadas à dinheiro, como pessoas importantes da Elo, da Caixa, PagSeguro, Santander, etc. E que eles pagavam bem e tinham PPR, o que não faz mal a ninguém, não é mesmo?!

Mas daí me surgiu a dúvida: será que eu conseguiria entrar como coordenador técnico mobile?

Atualizei meu currículo (que tem apenas uma página e sempre terá) e apliquei para a vaga que exigia pós-graduação e muita experiência na área. Conversei com algumas pessoas influentes lá dentro para que meu CV chegasse nas mãos certas e fiquei no aguardo. Depois de alguns dias sem resposta é fácil perder as esperanças, mas logo veio um desafio técnico que eu prontamente fiz da melhor maneira que pude com o tempo que me foi dado.

Depois vieram as entrevistas. Muitas delas. Eu estava de férias da Umbler e durante vários dias tive de interromper meu descanso para ir à sede da empresa que fica em um bairro nobre de Porto Alegre para conversar com diferentes gestores. Não é todo dia que se tem a oportunidade de ajudar na criação de um novo banco e eu não queria perder essa oportunidade, estava muito interessado na posição.

Finalmente fui aprovado no processo seletivo e me foi dada uma oferta bem generosa para sair da minha zona de conforto. Melhor do que passar na seleção foi o sentimento de saber que ainda estou no controle da minha carreira.

Mas quem pensa que tudo são flores, está redondamente enganado, e essa é a melhor parte.

Novos desafios. Enormes desafios.

Mario Sérgio Cortella diz que “mudar é complicado, mas acomodar é perecer” e é exatamente isso.

Eu estava em uma zona de conforto enorme: ganhava razoavelmente bem, morava a 15 minutos do serviço, trabalhava apenas com amigos (incluindo o CEO da Umbler) e em um cargo extremamente fácil para mim, que pouco me desafiava. Meus alunos da faculdade diziam que eu tinha o emprego dos sonhos, hehehe.

Saio da Umbler para trabalhar em outra cidade, com uma equipe completamente nova em uma empresa extremamente competitiva em um mercado dos mais competitivos: o bancário. Não há certeza alguma de que trabalhar no Agiplan é tão legal quanto dizem e que conseguirei coordenar a equipe do jeito ágil que gosto de fazer. A única certeza é o desafio.

E é o desafio enorme que se abre à minha frente que me motivou a aceitar a oferta, muito mais do que o dinheiro que me foi oferecido para trocar de empresa. Porque se eu conseguir transpor esses desafios crescerei como profissional, e muito.

Aliás, ao que tudo indica eu não trabalharei na posição a qual submeti, de coordenador técnico mobile, mas sim em algo ainda mais abrangente chamado Especialista de Sistemas, posição responsável não apenas por coordenar o desenvolvimento dos apps, mas pelo Internet Banking deles também.

Se isso não é desafio o bastante para não entrar em uma nova zona de conforto por um bom tempo, não sei dizer o que é!

Sem arrependimentos, apenas alegrias

Tenho o orgulho de dizer que sempre coube a mim direcionar a minha carreira para onde eu quisesse. Para isso, claro, já tive de abrir mão de salários maiores, recusar propostas ou mesmo me demitir algumas vezes. Tudo para não sair do caminho que decidi trilhar há 11 anos atrás.

Obviamente nem sempre acerto e esses últimos 6 meses, que eu chamo agora de “etapa de transição”, foi um período importante de auto-conhecimento, reflexão e reafirmação de valores em cima de um período que estava meio “perdido”. Isso pode acontecer com qualquer um e se você está em uma situação confortável demais, atenção, faça alguma coisa antes que seja tarde.

Em épocas de crise como essa que vivemos no país, vejo muitos profissionais com anos de experiência desempregados. Eles não entendem que não basta apenas ter anos de experiência, você tem de ter anos de “crescimento” no currículo. Se eu aperto o mesmo botão há 10 anos, isso não me faz mais capaz do que quando eu tinha 1 ano de experiência apertando aquele botão e posso ser facilmente substituído por alguém que aperta o botão mais rápido ou dois botões ao mesmo tempo. Ou por um software, mas essa é uma história ainda mais triste. 🙂

Não tenho arrependimentos e vivi muitas coisas fantásticas como evangelista de software nestes meses na função. Viajei por lugares incríveis e conheci pessoas mais incríveis ainda. Tive a liberdade de explorar tecnologias que tenho a esperança de poder usar na prática ainda e pude me manter lecionando mesmo após deixar meu cargo de professor na FAQI no semestre passado (esta por questão de agenda mesmo).

Para os próximos meses, devo me dedicar absurdamente à esta oportunidade que me foi dada e talvez até tenha que sacrificar um pouco a periodicidade das postagens aqui no blog (que é até um pouco insana se comparado à minha disponibilidade para escrever).

Mas tudo isso por uma boa causa: sair da zona de conforto!

Olá, tudo bem?

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3 Replies to “Zona de Conforto: Neymar, Evaristo Costa e eu”

William Vilanova

Texto muito bom, passo por isso agora e foi muito animador. Estou com 2 livros teu no meu kindle e são muito bons, bem objetivo.

Luiz Fernando Jr

Obrigado pelo feedback e que bom que está gostando do que escrevo. Qualquer dúvida que tiver sobre os posts ou os livros, pode me enviar por email.

Dário Vitoriano

“Eles não entendem que não basta apenas ter anos de experiência, você tem de ter anos de “crescimento” no currículo.”
Bem reflexivo e sugestivo essa sua abordagem.